Apesar dos avanços do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), a aplicação dos instrumentos urbanísticos permanece restrita, sobretudo nas periferias. A assistência técnica, a regularização fundiária e a mediação de conflitos ainda são tratadas de modo fragmentado, com ênfase em soluções jurídicas titulatórias, descoladas das necessidades sociais.
As Leis nº 11.888/2008 e nº 13.465/2017 representam marcos importantes ao garantir o direito à assistência técnica gratuita para famílias de baixa renda. No entanto, persistem entraves como desarticulação, desconhecimento e distanciamento da realidade das comunidades populares.
A literatura reconhece a ATHIS como ferramenta de cidadania e justiça urbana (Bonduki, 2009; Rolnik, 2015; Whitaker, 2014). Autores como Vainer (2012) e Magalhães (2017) criticam políticas habitacionais excludentes e defendem abordagens mais integradas. Por outro lado, experiências como as de Santos (2022) e Barradas et al. (2022) mostram a potência da atuação em rede, com saberes locais e tecnologias sociais na Amazônia.
Na Amazônia Legal, UFPA e CAU/BR vêm atuando de forma conjunta para fomentar práticas de ensino, pesquisa e extensão. No Pará, essa articulação mobilizou CAU/PA e no Amapá o CAU/AP, resultando na experiência do Programa Integrathis, que nasce da ampliação das ações realizadas na Região Metropolitana de Belém.
Assim, desde 2016, a UFPA articula ações em rede com CAU/BR, CAU/PA, CAU/AP e com a Associação Cultural Boi Marronzinho e o Movimento Tela Firme. A experiência gerou o Coletivo Escola MultiverCidades da Amazônia, que integra cultura, arte e música no diálogo com comunidades.
Já no período de 2019 e 2023, durante e após a pandemia, a atuação com o Governo do Pará (Projeto Meu Endereço Certo) e o Ministério das Cidades (Rede Amazônia). A experiência incluiu atendimentos técnicos, estudos de caso e rodas de conversa sobre conflitos de vizinhança, alcançando cerca de 4.700 famílias e realizando mais de 14.000 procedimentos técnicos.
Desde 2023, a segunda fase de desenvolvimento deste experimento de política pública, se consolidou por meio de acordos com o Ministério da Justiça, com o CAU/BR e com a Secretaria de Articulação da Cidadania, responsável pelas Usinas da Paz, equipamento público estadual para o atendimento e oferta de serviços comunitários. Foram acolhidos 2.000 novos casos, com encaminhamentos para instituições como a Defensoria Pública, Núcleos Jurídicos, o Laboratório Saber e Conviver e Clínica de Direito à Cidade.
A UFPA consolidou um plano de ensino multidisciplinar em nível de graduação e Programas de Pós-graduação em direito, arquitetura e urbanismo e engenharia sanitária e ambiental com práticas multidisciplinares e complementares em ATHIS, conforme indica a figura 1.
A experiência demonstra o potencial transformador da atuação em redes de ATHIS, especialmente quando fundamentada na interdisciplinaridade, escuta comunitária e compromisso com a justiça territorial. A partir de 2024, esta atuação também se articula com a Secretaria Nacional das Periferias, integrando a Rede de Universidades voltadas à ATHIS com Soluções Baseadas na Natureza (SBNs).
Frente aos desafios de exclusão urbana e ambiental na Amazônia, a ATHIS revela-se uma política pública essencial e ainda pouco explorada. O Programa Integrathis comprova a viabilidade de soluções sustentáveis e contextualizadas, centradas na comunidade e no território.
Logo, a experiência mostra que a ATHIS pode ser mais do que um serviço técnico: é uma prática política e educativa, que articula universidade, governo e sociedade civil na luta por justiça territorial. A replicação da iniciativa em outros estados da Amazônia Legal exige institucionalização dos arranjos locais, consolidação das redes colaborativas e valorização de práticas pedagógicas vinculadas à realidade das periferias.
Mais informações: https://caubr.gov.br/programa-integrathis-athis-e-os-desafios-para-sua-implantacao-no-brasil/